quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

A.S.A.E. apanha o Pai Natal!




Na noite de Natal encontrava-se o S. Nicolau a preparar-se para descer mais uma chaminé, estando já com uma perna dentro do respectivo buraco de evacuação de fumos de uma casa qualquer, num país aqui perto, e eis que sente duas pancadinhas no ombro. Vira-se e eis que lhe surge um tipo baixinho, tão baixinho que pensou que um dos seus ajudantes se tinha enfiado no trenó à socapa mais uma vez.
Mas não… afinal era um inspector da A.S.A.E . que trazia consigo um papel, que com um gesto vigoroso para alguém do seu reduzido tamanho, colocou em frente da cara do Pai Natal.
Nesse papel encontravam-se os pontos negativos do negócio deste santo natalício, que o inspector passou e enunciar.
- falta de higiene no trabalho… o Pai Natal usa sempre a mesma roupa após descer a chaminé e só com um produto altamente toxico poderá retirar sucessivamente a fuligem do seu fato após as descidas além de que as renas deixam porcaria por tudo quanto é parte quando sobrevoam os telhados das casinhas, convenha-se…são renas, não pombos.
- Invasão de propriedade privada. Que direito tem o Pai Natal de entrar pelas chaminés das casas das pessoas? - O que fará ele nesse período de tempo? Depois queixam-se…ah e tal Maddie…
- Abuso dos direitos dos trabalhadores - Coitadinhos dos duendes que têm que se esfalfar incessantemente sem remuneração só para que o Pai Natal, armado em Salomão, viaje pelo mundo inteiro e dê prendinhas aos meninos que acha que são "bonzinhos".
- Não tem um livro de reclamações, elemento indispensável para qualquer negócio nestes dias.
- Por vezes oferece brinquedos não homólogados e perigosos para as criancinhas.
- Anda pelos ceús, de noite, sem luzes de presença e pior, sem licença de voo. Já para não falar da embriaguez...porque aquele vermelhinho no rosto...hmmm...
- O monopólio não é positivo para a Economia e o Pai Natal não perde uma oprtunidade para aparecer na televisão, na radio, na internet e nas revistas. Publicidade excessiva.

O senhor de vermelho ouviu tudo estupefacto, sem acreditar no que estava a ouvir e do que o estavam a acusar a ponto de quase ter um acidente cardiovascular। O inspector confiscou-lhe tudo quanto tinha e rematou ao ir embora dizendo: um conselho…mude o guarda roupa. Feliz Natal!


(imagem de João Boaventura)


sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e a trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício:

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Olavo Bilac

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Aos poetas

Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!

E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!

Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!

poema de Miguel Torga

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Se houvesse degraus na terra...

Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.
Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,e a fímbria do mar, e o meio do mar,e vermelhas se volveram as asas da águiaque desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
Herberto Helder

sábado, 1 de dezembro de 2007

considerações sobre a pertinência (da sustentabilidade) na Arquitectura

Este texto remete para o meu último exercício académico realizado para a Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. Trata-se de uma reflexão acerca da pertinência do conceito da sustentabilidade para uma prática de Arquitectura. Obviamente haverá pontos de vista distintos por parte dos eventuais leitores, que sacrifiquem algum do seu tempo para o lerem, mas é esse mesmo o obectivo deste "post" - criar discussão, dúvidas, curiosidades em torno deste tema amplamente divulgado por todos os meios de comunicação. Boa leitura!

(…)“A Arquitectura não tem de ser sustentável. A Arquitectura para ser boa, leva implícita o ser sustentável (…) Um edifício em cujo interior a gente morre de calor, por mais elegante que seja será um fracasso, Não se pode aplaudir um edifício por ser sustentável. Seria como aplaudi-lo porque se aguenta.”[1] Eduardo Souto de Moura em entrevista no El Pais

A sustentabilidade será assim e de acordo com o que o arquitecto Souto de Moura afirma, uma parte integrante de uma série de questões que a Arquitectura deve responder de acordo com cada situação de projecto. Por isso se levanta a questão: E se ao invés de se debater o conceito ou o termo de “arquitectura sustentável”, ou seja de se discutir uma adjectivação, se reflectisse antes sobre a própria Arquitectura e sobre a aplicabilidade de forma pertinente deste “recente” conceito e as suas inerentes preocupações nas construções actuais? Talvez porque … “(…)quem sabe se o horizonte de tudo isto não seja senão verificar uma certa pertinência na arquitectura; pertinência na leitura do problema, pertinência da forma proposta. Decompor acertadamente a situação nos seus aspectos constituintes, essenciais e conhecer as propriedades da forma, de tal modo que ela encarne a situação pertinente. É neste sentido que um arquitecto é um profissional da forma; conhece exactamente as suas consequências.”
[2]
E ao projectar, tal como o arquitecto Fernando Távora defendia
[3] fá-lo com consciência arquitectónico-construtiva desenhando com linhas graves e inteiramente intencionais afastando a arbitrariedade do exercício de projecto. E é essa consciência que traça a linha separadora entre a Arquitectura e a pura geometria e abstracção da realidade física dos objectos projectados.

“Pertinente: do Lat. Pertinente, adj. 2 gén., que pertence; pertencente; relativo; concernente; próprio; respectivo; que vem a propósito; próprio para o fim em vista.”
[4]
Conforme o seu significado indica, pertinente é algo próprio e que vem a propósito para um determinado problema ou situação, qualidade que deve estar inerente a um qualquer edifício. Não se procura com esta questão da pertinência criar um novo paradigma da arquitectura, nem um qualquer tipo de movimento, mas sim chamar a atenção para a arbitrariedade ou pouca pertinência que obras de arquitectura têm vindo a apresentar, resultado porventura do efeito de globalização e marketing que esta disciplina sofreu com a divulgação e profusão de imagens a nível planetário com o objectivo de dar a conhecer o que se faz em qualquer canto do mundo. Vêm-se imagens cativantes e surpreendentes que ocultam as questões de fundo como a Firmitas (estrutura e solidez), Utilitas (adequação funcional) e exacerbando a Venustas, ou o que se considera belo, apelativo, a imagem que vende. O mesmo se pode dizer que acontece com a denominada “Arquitectura Sustentável” da qual não se pára de comentar e divulgar por todos os meios de comunicação, o que pode contribuir para que se torne uma “moda” e não uma atitude real e pertinente face aos problemas que os projectos e a situação actual colocam. Não se afirma com o anterior que o facto de essa situação estar a acontecer seja completamente negativo ou errado, contudo há que existir um sentido crítico e reflectir sobre este conceito em vez de o aplicar aprioristicamente num determinado projecto.
O edifício transparente, projectado pelo arquitecto Solá Morales localizado na Avenida Marginal do Parque da cidade do Porto foi construído em 2000 mas só em 2007 abriu as portas ao público com um uso específico e de acordo com o sítio. Passaram-se vários anos sem que esta estrutura em betão com fachadas totalmente em vidro tivesse uma pertinência arquitectónica e urbana para a cidade. O edifício remata o Parque da Cidade e proporciona uma ligação deste último com a marginal, contudo não foi sendo utilizado de forma continuada após a sua construção pois o seu projecto inicial não continha um uso, um programa objectivo desde o início. Será esta uma atitude “sustentável” que se possa utilizar como exemplo positivo? Relativamente ao que se discute aqui a resposta será obviamente não.
Foi necessária a intervenção do arquitecto Carlos Prata, que realizou um projecto de reconversão para este edifício dedicando-o à restauração e espaços comerciais. Esta intervenção teve, obviamente os seus custos adicionais e os seus inconvenientes no espaço urbano. Situação que poderia ter sido evitada se desde a génese do projecto fosse tido em conta o “uso” do edifício e se tivesse elaborado o/os programa/s que pudesse conter – questão primária a ter em conta no exercício de projecto – e depois estudar a estrutura e forma que melhor respondesse a essas necessidades funcionais. Assim, em princípio ter-se -ia desde 2001 um edifício “pertinente” e porventura transparente.
Conceber um edifício “sustentável” pode ser encarado como uma busca analítica e precisa de uma forma pertinente, que ao contrário de aspirar a uma arquitectura do objecto espectáculo recorrendo a piruetas formais ou de catálogo de soluções de eficiência energética de ponta, procura sim uma forma objectiva e perene, que sirva de eficazmente e correcta as necessidades humanas, o que em última análise e de acordo com grandes nomes da história da Arquitectura corresponde a uma Arquitectura bela.

cadeiras Thonet, Adolf Loos


As reflexões de Adolf Loos sobre o design, importantes e actuais, sublinham como a necessidade, ainda mais do que a arte, é o fundamento primeiro para se alcançar um objecto perfeito. Loos também desenhou uma cadeira Thonet, e é uma cadeira maravilhosa; olhando-a podemos dizer: “É uma cadeira Thonet!”, sem acrescentar mais nada. E contudo é evidente algo de especial nas proporções e alguns pormenores que dão pouco nas vistas, de modo que a impressão geral é de uma coisa absolutamente singular, sensacional, mas ao mesmo tempo banal. Creio que no momento em que estes dois aspectos coexistam, esteja alcançada a quinta-essência da perfeição.”[5]

Actualmente há um consenso mundial de que é preciso agir para preservar o nosso planeta e várias campanhas de sensibilização foram e estão a ser levadas a cabo com vista a uma acção mais notória e consequente por parte da população mundial. No campo específico da Arquitectura também se vem enveredando por esse caminho a uma escala planetária e no caso concreto de Portugal, embora timidamente podem-se constatar acções de sensibilização e aprendizagem de forma a educar os arquitectos portugueses, jovens ou não, para a urgência da prática de uma Arquitectura com mais respeito pelo Meio Ambiente, sustentável. Mas não se pode pensar ou assumir que será uma mudança radical, pois isso seria uma atitude nada benéfica para a população.
Um exemplo em forma de caricatura é o do “apagão mundial” que o movimento francês “Aliança para o Planeta” procurou levar a cabo no dia 1 de Fevereiro de 2007 tendo como objectivo o descanso da Terra, desafiando todas as pessoas do planeta, ou a grande maioria delas a apagar a luz durante cinco minutos desse mesmo dia. O problema segundo especialistas é que se todas as pessoas o fizessem, ou grande parte delas, as consequências poder-se-iam demonstrar desastrosas ao nível das redes de electricidade, provocando alterações negativas na economia resultando porventura numa crise financeira mundial. Não se pode esperar que surja um mundo “sustentável” de um dia para o outro mas sim insistir numa adequação ponderada e equilibrada ao longo do tempo. Este exemplo representa bem a atitude crítica e atenta que os arquitectos devem ter face a estas questões da sustentabilidade de modo a responder pertinentemente às encomendas que lhes são feitas.
Em termos arquitectónicos, no panorama português pode-se estar a descurar estas necessidades urgentes em detrimento de uma arquitectura especulativa ou essencialmente espectacular com enorme transmissão pelos vários meios de comunicação, nomeadamente as revistas da especialidade, que transmitem as “últimas modas”, ou imagens de edifícios ditos “espectaculares”, “fantásticos”, belos? Mas felizmente, ou não, o tema da sustentabilidade parece estar em voga e não é raro ouvir-se falar deste assunto na televisão, na Internet, nos jornais, nas revistas, nos livros, bem como a existência de workshops nos quais se podem apreender os conceitos, princípios e técnicas de uma Arquitectura “sustentável” e concursos onde o tema essencial a desenvolver incide sobre esta componente arquitectónica.


Contudo, tal como pode suceder com qualquer ideologia e como se pode constatar em situações do passado, não só relacionadas com o campo específico da Arquitectura, seguir um determinado número de ideais cegamente e adoptar os seus princípios sem reflectir nas repercussões de tal atitude radical pode acarretar consigo consequências prejudiciais ao bom desenvolvimento da Arquitectura e o consequente espaço intervencionado. Veja-se o exemplo do Movimento Moderno e de alguns dos seus princípios ou ideologias que em algumas situações embora as intenções fossem as melhores acabaram por resultar em grandes desequilíbrios. Temos o exemplo Português do urbanismo de influência modernista em Lisboa, mais propriamente em Chelas onde ao longo dos anos se foi verificando as falhas e as consequências negativas e até agora dificilmente ultrapassáveis do seguimento de ideais “modernos” ao nível urbano-social, como aconteceu na denominada “Zona J”, agora Vila do Condado, onde se puderam constatar graves desequilíbrios sociais.
Devido a estas lições do passado é que se defende neste trabalho que no que concerne à “Arquitectura sustentável” dever-se-á, tal como com qualquer tipo de movimento ou voga, tomar uma atitude crítica e não haver uma submissão cega aos seus princípios, não se afirma aqui que estão errados, mas chama-se a atenção para uma visão mais crítico – construtiva de forma a se projectarem edifícios pertinentes que inerentemente já possuem a denominação de sustentável.
O processo arquitectónico deve ser tal que a solução encontrada sirva correcta e eficientemente as necessidades que motivaram a construção do edifício em causa, sem se cair no exagero motivado por um fundamentalismo “insustentável” que leva à adopção sem critério das técnicas e soluções de construção extremamente caras de uma arquitectura “amiga do ambiente”, assim como das pessoas que nela habitam.
Poder-se-á encontrar um meio-termo equilibrado entre ideologia e arquitectura, visto que os ideais utópicos resultam mais como críticas ao panorama actual do que como resposta para o futuro. Este último deverá ser sempre tomado em consideração, pois nunca tal questão foi tão pertinente como agora. Num mundo em que as variáveis mudam de um segundo para o outro e no qual a efemeridade se tornou uma regra ou instituição será imperativo prever uma mudança de usos ou de distribuição interna do edifício.

“Quando se considera que a obra foi magnificentemente realizada, louvar-se-ão as despesas feitas pela capacidade económica do proprietário; quando se olha à subtileza, apreciar-se-á a perfeição do artista; mas quando se apresentar esteticamente como modelo nas suas proporções e sistemas de medidas, então a glória será do arquitecto.”
[6]
Vitrúvio (séc. I), Dez Livros de Arquitectura, Livro VI, capítulo VIII, parágrafo 9

E será que um edifício construído actualmente com materiais industriais possui menor validade moral, arquitectónica e ambiental do que um edifício construído somente com materiais naturais? Eduardo Souto Moura responde a esta questão pragmaticamente ao afirmar:

“Agora mesmo comecei a construir o centro cultural de um poeta Miguel Torga, perto do Douro. Queria trabalhar com a pedra do local, a ardósia. Mas ficava caro. Considerei um pré-fabricado negro, como a ardósia, betão negro ou ainda uma cerâmica cinzenta prateada. No final, o que decide entre todas as opções possíveis é o preço. A tradição que considerava lógico trabalhar com a matéria local desapareceu. Hoje a pedra local pode custar o dobro de um material similar, importado da China. E a atmosfera local pode ganhar igualmente com materiais similares que não sejam autóctones. A questão dos materiais locais desmistificou-se.”
[7]

O leque de opções para a selecção de materiais adequados ao lugar da construção não se deverá limitar, como se pode constatar na última citação, ao uso dos disponíveis ou tradicionalmente utilizados no local ou proximidades. A procura de uma concordância material entre sítio, construção, forma e conforto interior pode passar pela utilização de materiais oriundos de locais díspares ao qual se está a intervir, ou então de materiais produzidos industrialmente e em série, solução que provavelmente apresenta maior validade e exequibilidade económica e ambiental visto que se pode criar uma mesma atmosfera do que a que se obteria com os materiais naturais, por exemplo a ardósia – referida anteriormente por Souto de Moura - ou o granito, extraído de pedreiras que alcançam um desgaste energético enorme com a extracção, tratamento, transporte e aplicação na obra.
Torna-se então fundamental consciencializar que a escolha dos materiais, diga-se de forma sustentável, não se trata de uma escolha maioritariamente estética e construtiva mas sim que intervêm além dessas, outras preocupações nessa selecção tais como a economia, o ambiente (através da reutilização e/ou reciclagem), o tempo (de transporte, aplicação e durabilidade), o clima a que estarão submetidos, bem como outros que se tornem pertinentes dado o exercício de projecto em questão.
A arquitectura vernácula, com a qual se pode aprender imenso traduz de forma clara estas preocupações, contudo ao longo do tempo a cultura evoluiu e consigo as preocupações, as necessidades e as exigências estéticas e de conforto, bem como as tecnologias, mas por vezes pode-se cair numa adopção excessiva dessas “novas” tecnologias o que pode tornar–se prejudicial ao bom funcionamento e usufruto dos edifícios por parte das pessoas.
Uma das conclusões deste trabalho foi que a sustentabilidade se trata de uma componente da Arquitectura e não uma nova condição desta, que se deve seguir forçosamente de modo a que as soluções propostas tenham validade moral e formal.
Propõe-se uma esquematização do pensamento arquitectónico utilizado neste trabalho. Neste esquema a premissa e o princípio que se admite a priori é a “pertinência”, aspecto, ou melhor a “atitude” que terá que estar presente nos vários momentos e escolhas do projecto desde o seu começo, de forma que as opções a tomar sejam feitas conscientemente e não arbitrariamente podendo cair num exercício de abstracção formal.

Esquema do método utilizado para o projecto de aplicação da teoria reflectida

Tendo a “pertinência” como ferramenta essencial consideram-se três variáveis ou factores presentes no processo de concepção de um qualquer edifício em sintonia com a envolvente (física, cultural, económica e social) em que se encontra, a enunciar: o Meio, o conceito/ideia e a (re)Construção. Não se trata de um esquema rígido e permite diferentes respostas, pois para um mesmo problema pode haver um vasto leque de soluções, de modo análogo ao que acontece com cada arquitecto, que é diferente de um outro, a forma como propõe uma solução arquitectónica também será diferente da de um outro projectista, mas algo terá que ser comum aos dois, a pertinência das suas opções dadas as condicionantes terá que existir mesmo que o façam de forma distinta. Não existe uma solução “ideal” que todos tenham que respeitar na sua prática, o que tem que existir é uma atitude, pensamento e operatividade sustentadas pela pertinência.
“O que mais me impressionou no Museu do G.V.C. foi o facto de o edifício “existir bem”, e não querer dizer mais nada senão o facto de estar ali e servir.
O arquitecto não usou discursos paralelos de outras disciplinas, para criar à priori “narrativas” supérfluas.
O arquitecto reduziu o projecto àquilo que deve ser a disciplina: construir um objecto com o máximo rigor, que permaneça no tempo e possa ser útil a uma comunidade. Aparentemente simples, esta concepção é pelo contrário a mais difícil, porque implica um domínio completo da “profissão” e a eliminação permanente de qualquer alibi tentador”
[8]

A perenidade das soluções de um determinado exercício arquitectónico pode ser considerada consequência da pertinência com a qual se concebe o projecto, colocando as questões essenciais no estirador e desenhando com um sentido de gravidade, tendo consciência das suas implicações construtivas, por isso não se tornará produtivo nem enriquecedor acreditar que a “Arquitectura sustentável” é o novo paradigma arquitectónico. Dever-se-á considerar que as questões “sustentáveis” são elementos presentes num projecto de um determinado edifício, seja ele uma casa ou uma torre de escritórios que terão que ser obviamente considerados, mas o que se deve procurar é realizar Arquitectura sem haver uma obsessão com a sua adjectivação, deixando assim de lado questões que prejudiquem a pertinência da proposta, porque a própria definição de Arquitectura foi sempre difícil de levar cabo e de forma consensual para a comunidade dos arquitectos. A sustentabilidade na arquitectura remete-se assim para o seu papel de componente de uma materialização de um pensamento, que deve ser manuseada correcta e de forma pertinente.


[1] MOURA, Eduardo Souto de, in entrevista ao el Pais 30 de Junho 2007
“La arquitectura no tiene que ser sostenible. La arquitectura, para ser buena, lleva implícito el ser sostenible. Nunca puede haber una buena arquitectura estúpida. Un edificio en cuyo interior la gente muere de calor, por más elegante que sea será un fracaso. La preocupación por la sostenibilidad delata mediocridad. No se puede aplaudir un edificio porque sea sostenible. Sería como aplaudirlo porque se aguanta.”
[2] ARAVENA, Alejandro, Los hecchos de la arquitectura, Arq ediciones – Santiago de Chile, Dezembro de 2002, pág. 28
“Quizás si el horizonte de todo esto no sea sino verificar una cierta pertinência en la arquitectura; pertinência en la lectura del problema, pertinência de la forma propuesta. Descomponer acertadamente la situación en sus rasgos constituyentes, esenciales y conocer las propriedades de la forma, de tal forma que ella encarne la situación pertinente. Es en este sentido que un arquitecto es un profesional de la forma; conoce exactamente sus consecuencias.”
[3] Ideia presente em “fragmentos de una conversación com Fernando Távora”. Edição de Carlos Martí Aris Távora, DPA14
[4] in http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx
[5] Vieira, Álvaro Siza, Imaginar a evidência, Edições 70 – Lisboa 1998, pág.135
[6] VITRUVIO: tratado de arquitectura / trad. M. Justino Maciel. - Lisboa : Instituto Superior Técnico, 2006, pág.241
[7] MOURA, Eduardo Souto de, in entrevista ao el Pais 30 de Junho 2007
[8] MOURA, Eduardo Souto de, “o Museu da Ilustração” - Eduardo Souto de Moura / Antonio Esposito, Giovanni Leoni ; colab. Monica Daniele e Rafaella Maddaluno ; fot. Alessandra Chemolo e Fulvio Orsenigo; trad. Daniela Maissa. - Barcelona: GG, 2003, pág.367


manuel ramos silva