quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Palavras a (re)lembrar

O texto seguinte não é novo nem original, pois trata-se de uma magnífica reflexão da autoria do arquitecto Fernando Távora (Porto 1923, 2006) “sobre a posição do Arquitecto”, no mundo construído, e sobre qual o seu papel e as suas responsabilidades enquanto profissional da Forma construída.
Tendo em conta o panorama arquitectónico nacional e mundial actual, difundido por todos os meios de comunicação da especialidade, tais como as revistas, as monografias, os documentários televisivos, os “blogs”, entre outros… propõe-se desde já a re-leitura deste texto por parte de todos os intervenientes na Construção. Desde os arquitectos, que obrigatoriamente já “ouviram” e já tiveram oportunidade de apreender estas palavras, até ao usufruidor final da obra, aquele para quem realmente se projecta e não para um ser isento de opinião e de vontades, passando obviamente pelos que regulam o território e pelos investidores e promotores, que com toda a razão buscam o maior lucro neste negócio do Construir.
De verdade serão poucos os interessados nesta re-leitura, contudo não se pode deixar de lançar o desafio, quanto muito para se colocarem questões, e também relembrar o que, com força das circunstâncias é esquecido quando se Constrói.
“Tal como é, tal o homem organiza o seu espaço; a um indivíduo e a uma sociedade em equilíbrio correspondem um espaço harmónico; a um indivíduo e a uma sociedade em desequilíbrio corresponde a desarmonia do espaço organizado. A forma criada pelo homem é prolongamento dele – com as suas qualidades e com os seus defeitos.
Todo o homem cria formas, todo o homem organiza o espaço e se as formas são condicionadas pela circunstância, elas criam igualmente circunstância, ou ainda, a organização do espaço sendo condicionada é também condicionante.
O arquitecto, pela sua profissão, é por excelência um criador de formas, um organizador do espaço; mas as formas que cria, os espaços que organiza, mantendo relações com a circunstância, criam circunstância e havendo na acção do arquitecto possibilidade de escolher, possibilidade de selecção, há fatalmente drama.
Porque cria circunstância – positiva ou negativa – a sua acção pode ser benéfica ou maléfica e daí que as suas decisões não possam ser tomadas com leviandade ou em face de uma visão parcial dos problemas ou por atitude egoísta de pura e simples satisfação pessoal. Antes de arquitecto, o arquitecto é homem, e homem que utiliza a sua profissão como um instrumento em benefício dos outros homens, da sociedade a que pertence.
Porque é homem e porque a sua acção não é fatalmente determinada, ele deve procurar criar aquelas formas que melhor serviço possam prestar quer à sociedade quer ao seu semelhante, e para tal a sua acção implicará, para além do drama da escolha, um sentido, um alvo, um desejo permanente de servir.
Os seus campos de actividade são múltiplos – porque múltiplas são as facetas do espaço organizado. Projecta e realiza edifícios, dedica-se ao planeamento do território a escalas várias, desenha mobiliário.
Para ele, porém, projectar, planear, desenhar, não deverão traduzir-se para o arquitecto na criação de formas vazias de sentido, impostas por capricho da moda ou por capricho de qualquer outra natureza. As formas que ele criará deverão resultar, antes, de um equilíbrio sábio entre a sua visão pessoal e a circunstância que o envolve e para tanto deverá ele conhecê-la intensamente, tão intensamente que conhecer e ser se confundem.
E da circunstância deverá ele contrariar os aspectos negativos e valorizar os aspectos positivos, o que significa, afinal, educar e colaborar. E colaborará e educará também com a sua obra realizada.
A sua posição será, portanto, de permanente aluno e de permanente educador; como tal saberá ouvir, considerar, escolher – e também castigar.
Não se suponha ele o demiurgo, o único, o génio do espaço organizado – outros participam também na organização do espaço. Há que atendê-los e colaborar com eles na obra comum.
Para além da sua preparação especializada - e porque ele é homem antes de arquitecto – que ele procure conhecer não apenas os problemas dos seus mais directos colaboradores, mas do homem em geral. Que a par de um intenso e necessário especialismo ele coloque um profundo e indispensável humanismo.
Que seja assim o arquitecto – homem entre os homens – organizador do espaço – criador de felicidade.”¹


¹Távora, F. (1952). Da Organização do Espaço (4ª ed.). (M. Mendes, Ed.) 1999 - Porto: FAUP publicações, pág. 73-75

1 comentário:

Anónimo disse...

Este texto faz parte de um dos mais importantes livros para um arquitecto. Será, talvez, exagerado dizer indispensável, porque, pode-se fazer um curso e trabalhar em arquitectura sem nunca o ter lido. Mas, de certeza que não se vai ser tão competente e tão completo, sem o ler e reler . Acredito que a base da nossa arquitecura (portuguesa) e o que a torna única no mundo, surge e está presente neste livro.